Maria Mendes e Ensemble Darcos
Visiones
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Ciclicamente, somos fustigados por ventos oscilantes, onde as raízes que nos prendem à mundividência parecem soltar-se. Oscilamos, qual barca à deriva, sem norte, sem vento, sem maré. É o caminho da incerteza, de sombras oblíquas, povoado de visões e espetros. Até onde caminhamos? Federico García Lorca (1898-1936), figura maior da lírica castelhana do século XX, procurou dar resposta a este sentimento, através de uma obra impregnada de visões poético-musicais de paixão e morte, de premonições, de desenganos, num arrebatamento desconcertante sem paralelo na história da poesia ocidental. Disso é exemplo o Divã de Tamarit, coletânea de 21 poemas escritos durante os verões de 1931-34, na Huerta de San Vicente, a sua casa familiar de veraneio, às portas de Granada. Os poemas dividem-se em 12 gazeis e 9 casidas, formas poéticas da herança árabe granadina (divã é o termo para, justamente, uma coleção de gazeis e casidas).
Visiones é um novo ciclo de canções de Nuno Côrte-Real (1971), partindo de sete poemas do Divã de Lorca: os gazeis Del amor imprevisto, Del amor desesperado, Del amor maravilloso e Del niño muerto; e as casidas De la mujer tendida; De la muchacha dorada e De las palomas oscuras. Como motivo unificador, o tema do 1.º andamento do trio op. 97 de Beethoven (1770-1827), uma idée fixe que percorre a atmosfera elegíaca do ciclo, encerrando-o. Igualmente, dois corais de J.S. Bach (1685-1750), pontos de referência no horizonte obscuro da lírica de Lorca, nas palavras do compositor. São espetros poético-musicais, onde a dignidade, e a sua ausência, amor e morte, vão para além do surrealismo lírico, em jeito de apaziguamento pétreo.
No horizonte criativo de Côrte-Real esteve a voz caleidoscópica de Maria Mendes (1985), figura aclamada do jazz europeu. Sendo a única artista portuguesa no feminino a receber uma nomeação para os Grammy Americanos, em 2020 venceu o prestigiado EDISON Jazz Awards. É famosa a entrevista de Lorca a Luis Bagaría, redator do El Sol de Madrid, em que se afirma partidário “dos pobres, dos que não têm nada”, não havendo forma de evitar a compaixão pelos “perseguidos, o cigano, o negro, o judeu, o mouro que todos trazemos dentro de nós”. Visiones é uma longa interrogação sobre a vida. A barca partiu, mas o destino é incerto.
Ciclo de canções de Nuno Côrte-Real escritas para a voz de Maria Mendes, em estreia absoluta
I. Preludio
II. Del amor maravilloso
II. Del niño muerto
IV. Coral I
V. De la mujer tendida
VI. Del amor desesperado
VII. De las palomas oscuras
VIII. Coral II
IX. De la muchacha dorada
X. Del amor imprevisto
XI. Posludio
Ficha artística
Maria Mendes, voz
Nuno Côrte-Real, direção musical e sintetizador
Süse Ribeiro, desenho de som
Ensemble Darcos
Francisco Lima Santos, violino
Paula Carneiro, violino
Reyes Gallardo, viola
Filipe Quaresma, violoncelo
Domingos Ribeiro, contrabaixo
Sónia Pais, flauta
Marco Fernandes, percussão
Helder Marques, piano
Ana Ester Santos, harpa
Informações
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